Como afirmei em meu Post anterior, gostaria de enfatizar neste Post as diferenças, a despeito das aproximações, entre as ideias de formação humana, educação e espiritualidade.
A expressão Formação Humana alude à ideia de que a humanização é um processo. Nosso nascimento biológico e mesmo as diversas formas de socialização universalmente disponíveis não são, de per si, uma garantia de sua realização. Ao contrário, é imperiosa a existência de uma processual orientação do ser humano para tal finalidade, porém não de modo impositivo. É objetivo intrínseco de tal formação que ao longo desse desenvolvimento, possa o ser humano singular paulatinamente abraçar de forma autônoma e livre tal ideal formativo e dar-lhe continuidade de um modo próprio. Ao assim fazer, com o concurso de outros seres humanos também assim comprometidos, torna-se possível o surgimento e estruturação de vínculos, relacionamentos e mesmo espaços sociais favoráveis ao cultivo dessa própria formação. A formação humana implica a noção de que o homem seja capaz de tornar-se íntimo de si, de sua corporeidade, de seu comportamento, impulsos, emoções, sentimentos e do seu pensamento, compreendendo a estrutura, dinâmica e interdependência de tais aspectos, tanto na forma particularíssima como se manifestam no âmbito pessoal quanto nas variadas formas de expressão nos outros seres humanos. Tal compreensão é alargada pelo surgimento de um modo próprio de viver que se constitui pelo reconhecimento dignificante expresso em relação aos outros seres humanos e à natureza envolvente, de modo a se concretizar em atitudes de compromisso, respeito e cuidado nos âmbitos pessoais, interpessoais, comunitários, sociais, naturais e ambientais. Em síntese, a ideia de formação humana implica a crescente unificação de uma pessoa consigo mesma, processo por meio do qual também aumenta o senso de interdependência em relação aos demais seres, o que se traduz pelo declínio continuado da destrutividade e cultivo progressivo das atitudes de amor, abertura e sabedoria em meio ao mundo.
De acordo com o exposto acima, a formação humana é um processo de humanização que, por sua característica ampla, em conformidade com os diversos aspectos humanos que precisam ser humanizados, acontece em diversos espaços e contextos humanos, podendo se expressar na cultura (em sentido lato e stricto), na política, na religião, nas atividades referentes à saúde, na educação, na sociedade em geral, desde que estes se caracterizem pelos princípios e objetivos acima aludidos.
Quanto à ideia de educação, concebo-a como o processo que é dirigido e organizado intencionalmente por alguém ou por alguma organização em relação a outrem, com o objetivo de promover sua formação humana, tendo em vista sua condição e estágio específico de desenvolvimento. De acordo com o precedente, a ação educativa deve se pautar por características e limites cuja violação impede sua legitimidade como tal. A educação tem portanto por finalidade, ainda que quanto a aspectos determinados, a formação humana dos entes que estão sob seu cuidado. A educação, portanto, (e esta observação também é pertinente quanto à formação humana) não equivale diretamente ao processo de socialização, que sempre ocorrerá de um modo ou outro, sem necessariamente delimitar um objetivo formativo.
A educação ainda se caracteriza pela autoridade outorgada, conferida e/ou legitimada do educador em relação ao educando. Autoridade não significa ou não implica diretamente poder. No contexto educacional, seu sentido provém do termo latino auctoritas que alude à legitimidade conferida em decorrência de um saber legítimo e fundamentado. A educação, de acordo com tal sentido, não pode ser exercida sem que haja a legitimidade da autoridade que a desenvolve – justamente por isso, mais eficaz se torna à medida que maior legitimidade é reconhecida e conferida ao educador pelo próprio educando, para o que contribui imensamente a atitude de coerência e integridade do próprio educador.
A educação também se caracteriza pelo reconhecimento e respeito pela liberdade do educando, esta entendida não como a efetivação de caprichos ou simples desejos do ego, mas, sim, como princípio que o educando precisa encontrar em si e exercê-lo como instância capaz de orientar sua vida e condição no mundo. A liberdade do ser humano, como a busca e encontro de sua vocação no mundo, é território sagrado que deve ser respeitado pelo educador quanto à orientação dos seus educandos. O educador precisa ajudar o educando a encontrá-la, a saber ouvi-la e a exercitá-la, sem jamais impor sua vontade.
A educação também implica desenvolvimento de habilidades (como as diversas inteligências de que trata Howard Gardner), por meio de cujo domínio e apropriação as qualidades formativas humanas podem se expressar.
Por fim, compreendemos a espiritualidade como o entendimento, a vivência e o comprometimento com a realidade última que define o humano em sua relação consigo mesmo e com o Ser. Nesse sentido, a espiritualidade se expressa (não se constitui por, mas se manifesta) pela compreensão racional, pela experiência singular e pessoal, e pelo compromisso existencial com os princípios que se fundamentam naquilo que se revela na experiência pessoal. Portanto, a espiritualidade sempre se expressa por meio de valores como cuidado, atenção, compaixão, inteireza, equanimidade, destemor. Em decorrência do exposto, compreendo que a espiritualidade leva necessariamente ao entendimento de e ao compromisso com a formação humana em seus diversos aspectos. A formação humana, entretanto, pode vir a ser exercida sem que alguns dos aspectos constitutivos da espiritualidade tenham sido realizados. Assim, a título de exemplo, alguém que ignora por completo ou descrê de qualquer relação entre o ente humano e o Ser em geral, pode, entretanto, demonstrar-se comprometido com a formação humana. Todavia, no meu entendimento, por menor que seja, tal pessoa expressa de algum modo uma realização espiritual. Por outro lado, é para mim inconcebível que a espiritualidade não se expresse em formação humana. Neste caso, compreendo que este é um critério fundamental para desmascarar a espiritualidade que alardeia a si mesma, mas que não frutifica em meio ao mundo.
Em resumo, penso que a espiritualidade necessariamente se expressa na formação humana, embora esta não tenha que explicitamente remeter à primeira. Por outro lado, concebo a educação como parte da formação humana, sendo esta mais ampla que a primeira. Por fim, a espiritualidade que viola a formação humana denuncia a si mesma por aquilo que não é.
José Policarpo Jr.